CARIDADE

 

 

Jovino Ferreira era um homem muito caridoso.

- É preciso fazer o bem - dizia sempre. - Há que ser bom, aceitar as coisas da vida.

E realmente Jovino aceitava tudo. Concordava sempre com o que lhe pediam. Se lhe buscavam o bolso minguado em constantes empréstimos, ele acedia sempre, sem verificar se estava capacitado a isso.
Muitas vezes submeteu os seus a dificuldades inúmeras pois o minguado salário saía do seu bolso na multiplicidade das rogativas dos amigos sempre em dificuldades.
Mas ele dizia à esposa revoltada:

- Não posso negar! É preciso fazer caridade.

- Mas ele é um desocupado e além do mais alcoólatra. Seu dinheiro vai enterrá-lo ainda mais no vício. E nossos fi­lhos? Precisam comer. Já devemos ao armazém, à farmácia, o aluguel. Você precisa modificar-se. Assim, não dá!

- Calma, mulher. Acho que não podemos negar.

- Mas até o "seu" José exigiu que você pagasse aquela multa quando a culpa foi dele. Isso é uma injustiça.

- Deixa, mulher. Eu fiquei com pena dele.


E o Jovino era assim. Sua mulher foi perdendo o respei­to por ele e a cada dia mais e mais o tratava com descaso diante dos outros. Seus filhos também não o tratavam com o devido respeito. Andavam em más companhias, abandona­ram os estudos e, por fim, alinharam-se com marginais em trapaças deixando o emprego honesto e humilde.
Jovino, estoicamente, aceitava tudo. As pessoas que lhe conheciam o suplício, e a paciência, julgavam-no um santo homem. Enquanto os menos bons, os velhacos, o julgavam imbecil. Mas o Jovino não titubeava.

- Tudo o que faço é ser caridoso com o próximo. Mas era inegável que os problemas familiares lhe aba­laram as fibras mais íntimas do sentimento. Afinal, sempre fizera o bem. Por que tudo lhe saía errado? Por quê?

Já velho e doente curtiu a triste solidão, sem dinheiro. Seus amigos pedintes desapareceram. Um filho na prisão, o outro não sabia onde estava. A filha, separada do marido, enveredara pelo rumo triste do desequilíbrio moral.
Jovino terminou seus dias num abrigo de velhos, na indigência. Revoltou-se. Quando se viu no Plano Espiritual na condição sofrida e triste de mendigo, não mais se controlou: deu largas à reclamação. Mas, por mais que gritasse, chorasse, esperneasse, não conseguiu mudar as coisas. Até que caiu em prostração. ­

 

Quanto tempo esteve assim não soube precisar, mas um dia lembrou-se de Deus e começou a orar: Rogou humilde­mente ajuda e esclarecimento.
Até que uma jovem enfermeira apareceu diante dele. Ajudou-o com carinho e auxiliada por dois assistentes o leva­ram a tratamento em hospital.
Jovino começou a melhorar e à medida que melhorava mais suas dúvidas e sua angústia aumentavam. Não podendo mais suportá-las, um dia pediu uma audiência ao mentor da­quele agrupamento.
Recebido por ele com atencioso respeito, não pôde so­pitar a avalancha de revolta que o consumia e relatou toda sua vida. E finalizou:

- Sempre fui um homem caridoso. Tudo quanto fiz foi para ajudar os outros. Não foi isso que Jesus ensinou? Como pude ser tão injustiçado?

O mentor sorriu com ternura. Depois, olhando com fir­meza nos olhos do queixoso pupilo, tornou com voz clara:

- Jovino, acho que agora você precisa tratar de me­lhorar, porque na verdade você disse bem. O Cristo ensinou que é preciso praticar a caridade. Mas, acho que você come­teu um triste engano.

- Como assim?

- Você mesmo vai descobrir isso. Durante seis meses vai assistir à projeção de sua última existência e vai anotar todos os atos caridosos que praticou. Só que vai poder ver o que as pessoas fizeram e como reagiram com seus atos de caridade. Depois, voltará com essa relação anotada para con­cluirmos nosso assunto.

Jovino saiu contente e renovado. Mas quando voltou seis meses depois, vinha triste e humilhado.

- E então - perguntou o mentor com simpatia. Jovino respondeu humilde:

- Realmente, durante esses seis meses revi tudo com atenção e reconheci que jamais tive um ato de caridade. Me enganei. Confundi as coisas, - parou embaraçado. Depois criando coragem completou: - Não sabia ajudar. Confundi comodismo, servilismo e fraqueza com caridade. Mas agora já sei. Se eu tiver outra chance espero não errar.

O mentor sorriu, abraçou-o e disse-lhe:

- Hoje você já fez a sua caridade porque começou simplesmente a se ajudar.

 

Marcos Vinícius